20120501

para um menino com poesia no olhar

Porquê você é um menino com poesia no olhar, nas mãos, no jeito de falar e no caminhar, é fácil te prometer amor eterno, salvo se você bater pino, o que aliás você não vai nunca, porque você tem um ar de irritado de mentirinha, não vai trabalhar pela manhã e fica pelo apartamento, perambulando com suas blue-boxer-briefs, quero dizer: aquelas cuequinhas
que se parecem com um shorts.

E porque você é um menino com poesia no olhar e o teu abraçar é o mais gostoso, apertado e demorado que existe, você faz surgir lágrimas nos olhos,quando tuas malas, e você todo,
tiveram que seguir para os confins desse mundo, lá onde fica aquele longínquo e belo horizonte, e eu fiquei morrendo de saudade de ver você partindo assim, no meio do nada, no meio de todas aquelas malas extraviáveis.

E porque você só pensava em me aporrinhar todas as vezes, quando a gente se conheceu,
e ainda implica comigo o dia inteiro, como se eu tivesse culpa de você ser assim, tão subliminar; e porque quando você começou a gostar de mim, procurava saber por todos os modos como é que eu era, o que eu achava de todas as coisas e do mundo, e qual era o meu nome ou de onde eu vim e pra onde eu ia, talvez prevendo todo o vendaval que estava logo adiante; e porque você tem esse teu jeito cheio de levadeza e um rosto que tem sempre uma brisa paradisíaca estampada, ou um não-sei-quê que dá uma vontade súbita
de te pegar de jeito e apertar todo; e porque, quando você penteia o cabelo para o lado,
fica parecendo um mauricinho, todo engomadinho, e eu fico até sem entender muito bem o motivo de tanta arrumação, que logo em seguida eu vou bagunçar ele todo mesmo, não vai ter jeito; e porque você é um menino que anda rápido, e fala o nome e o sobrenome de todas as personagens de todas as tuas histórias, to-das!, e fica se explicando o tempo todo,
as mínimas ações do cotidiano, tudo em 173 rotações, mas sem ficar chato, na verdade fica é muito divertido; e porque você fica meio mariado quando sai pra velejar, e adora andar à pé, e é amigo de todo mundo que conhece e é um menino com um beijo bom nessa tua boca linda, eu lhe predigo muitos anos de felicidade: e só quando eu der aquela paradinha marota pra olhar pro lado, aí sim você pode se mandar, eu compreenderei.

E porque você é um menino com uma linda voz grave e tem um quê de pescador de gente,
e fica pensando em fotografia o tempo todo, só que as imagens estão sempre em movimento; e porque, quando você é fotografado, você não se parece nem um pouco com você mesmo, mas fica na fotografia com um jeito de quem só gosta de beber cerveja, comer churrasco na beira da piscina e falar sobre carros e futebol o dia todo, e você, lindo, logo tenta consertar, e se explica todo e diz que já ficou uns cinco anos sem comer um pedaço sequer de carne, e até gosta de cerveja, carros e futebol, mas o mais lindo de tudo isso,
pra quem olha para você bem de perto, bem lá dentrinho, é ver o Drummond, o Saramago e o Rosa em ti, latejando, querendo sair; e, às vezes, eu soube, que você se vira pra dentro
e até escreve um pouco a sua prosa toda, mas não mostra pra mim de jeito maneira, e não aceita nem falar no assunto, nem por todo o chá da China; e porque você tem um filhinho lindo, e quando você fala nele os teus olhos brilham, e o teu rosto inteiro muda de cor, e as bochechas ficam com aquela cor só adquirida no terceiro minuto da aurora, que ele tá mesmo virando um homem delicado e lindo, parecido com o pai, sorte das meninas dos dias de hoje; e quando você se sente aflito, perdido ou sozinho no mundo, você pega e sai por aí, caminhando pelas calçadas, simples assim, às vezes até com a camisa furada, uma das favoritas, pelos lugares mais inusitados da cidade; e porque você é um menino que até parece que não pisca nunca, e dá mesmo pra sentir como se você fosse capaz de ficar me olhando durante horas, até eu desolhar primeiro, encabulada, segundos depois, que eu sempre perco nesse jogo, porque tenho aflição de ficar olhando assim, por horas sem parar, e quando você me olha muito tempo, eu vou ficando nervosa, até você dizer que está brincando; e porque você é um menino com tanto carinho nas mãos que cativou o meu coração, e adora arroz selvagem com manteiga e alcaparras, só que sem as alcaparras; e porque você é um menino cheio de prosa no lado esquerdo do peito, eu lhe peço, também,
que nunca mais me deixe sem ter a tua amizade, como nesse último dia por aqui: é que fica tudo uma rua silenciosa e escura, que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando, com dó; e é um vazio tão grande que os homens que ousam me amar,
o fazem com desconfiança, porque eles bem dariam tudo para ter uma moça assim, com esse ar de não-sei-o-quê que eu tenho, penando assim por eles, a mão no queixo, a perna cruzada e triste e aquele olhar que não vê...


E porque você é o único menino com mais poesia dentro de si que eu conheço, eu até escrevi umas poesias tão bonitas para você, a fim de que, quando eu morrer, você, se por acaso não morrer também, fique deitadinho, de noite, recitando lindamente, aquelas poesias minhas, ou mesmo daquela escritora que você acha que tem o estilo de escrita parecido com o meu, aquela que até saiu naquela revista que você sempre lê, e tem no nome tantas vogais quanto se pode ter.

E já que você é um menino com um sorriso lindo, e eu consigo mesmo ver você chegando naquela esquina, dentro daquele táxi, tão ansiosa eu estava que achava mesmo que ia desmaiar a qualquer momento, e era uma rua sem nada, uma rua quase sem graça, com esse bistrô na esquina, e o meu coração batia tão rápido e tão forte que eu tava mesmo bem zonza, pronta pra cair no chão; e o meu coração, pobrezinho, sofre mais ainda quando você me disse que me queria amar um dia inteiro, e o outro também, e ele põe-se a bater cada vez mais depressa, tadinho dele; e porque você é um menino que parece ter que beber água de liberdade quase que todos os dias, como que para fortificar a compreensão, ou exercitar o aprendizado diário; e porque eu te chamo para se entregar para mim, no meu abraço, e todo o mar à nossa volta se faz murmuroso e se enche de magia, de espuma de Yemanjá, com a delícia de Logun-Edé, enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos


- eu sei, ah!, eu bem sei que essa paixão toda que eu sinto por você, e que qualquer outra mulher se deliciaria ao sentir, é porque você é lindo, porque você é meigo e, sobretudo, porque você é um menino com uma poesia imensa no olhar...

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